quinta-feira, 25 de abril de 2013

Significados do Surf _ pt.4: esporte mítico.

Texto Madeira & Água publicado em: Waves, Surfari


Um famoso especialista em mitos chamado Joseph Campbell explica que precisamos de modelos para a vida, daí vem as lendas e os mitos. Surfistas, pescadores e marinheiros possuem imagem mítica nas suas atividades. Mas o que faz do surfe um esporte mítico? Uma onda, uma prancha e um surfista, tudo é muito simples, mas carregado de significados. 




Tecnicamente, a onda é uma oscilação espacial de grandeza física. Quando uma destas oscilações marítimas alcança a costa, a onda quebra na junção do mar com a terra. Além do misticismo que envolve isto, as ondas do mar são um fenômeno natural dos mais bonitos, assim como o vento ou a chuva, acontecem desde sempre e continuarão a existir depois do ultimo ser humano tombar, indiferente a nós. Mudam sem parar, conforme a hora do dia, a maré, a lua ou a época do ano. Diante de um fenômeno destes, pegar uma onda pressupõe-se ficar à espreita, esperar, estudar suas manhas e, em fim, domá-la. Surfar é um esporte ancestral, uma antiga comunhão com a natureza.

A mitologia do surfe possui diversos significados e transcende para um estilo de vida. Domar ondas exige a mesma dedicação e qualidades das artes marciais, contemplação do pescador e gingado da dança. Surfar pressupõe-se um longo ritual, controle do corpo, concentração, coragem, paciência, e a recompensa é um momento sublime: montar o cavalo de netuno.  

O mito do surfe vem de vários elementos presentes na vida de qualquer pessoa. A coragem de enfrentar algo muito maior e mais forte que você, na astucia de aproveitar correntes e canais para chegar até o objetivo, da meditação e paciência para encontrar a oportunidade certa de descer onda, a desenvoltura de surfar e o prazer de ter viver aquele momento. Estamos falando de surfe, mas todos passam por desafios na vida, grandes empreitadas cheias de obstáculos, com um objetivo maior que vale todo o sacrifício. 



Daí vem o respeito aos surfistas, pescadores e marinheiros, dái vem o mito escondido na pratica do surfe.

segunda-feira, 15 de abril de 2013

Entrevista Surfari



Apresentamos aqui parte da entrevista feita conosco do Madeira & Água pelo site Surfari:



É sempre bom ser surpreendido. Quando recebemos o primeiro e-mail de contato do Guilherme Pallerosi, pedindo para dar uma olhada em seu blog, achamos legal pela iniciativa. Madeira e Água, diferente, no mínimo. Mandamos o feedback e na sequência o cara já entrou com o pé na porta, querendo ser ativador do Surfari. Atitude, irado, pensamos. Dissemos sim e demos meia dúzia de instruções, quando vimos já tinha uma postagem no ar. Guilherme começou a colaborar com o Surfari tão rápido e tão bem que esquecemos de fazer a entrevista de apresentação. Foi só quando começamos a ver mais e mais conteúdos no ar que nos demos conta da gafe. Reparar o erro soaria estranho para definir essa entrevista tardia, ele já largou como se fosse um de nós então foi até meio natural que dispensássemos apresentações. Mas Guilherme é daqueles caras que tem mais a dizer. Bem, digamos que não são todos os dias que você troca uma ideia com um sociólogo, que nas horas vagas é marceneiro, historiador e curte esculpir suas próprias pranchas (em madeira, claro).

Conheça um pouco mais do que o paulista editor do blog Madeira & Água tem a contar sobre a vida e o que o surf ajudou-o a entender.

- O que despertou seu interesse em estudar o passado do surf e aplicar tais técnicas ao seu dia a dia?

O blog e a “marca” Madeira & Água foram uma forma de canalizar e viabilizar vários projetos que eu guardava na gaveta ou tocava apenas como hobby. Após a construção da primeira prancha de madeira, minha mulher sugeriu que eu fizesse o blog para dar continuidade aos projetos, para dividir minhas experiências e as coisas que pensava sobre o surf. Foi aí que comecei também a escrever sobre o assunto, unindo: surf, marcenaria, jornalismo, história e, até, sociologia.
O blog Madeira & Água, as pesquisas históricas e experiências com pranchas de madeira fazem parte de várias buscas que deixam a gente inquieto. Uma delas é exercer um trabalho criativo e autônomo que dê sentido ao esporte e ao estilo de vida que eu me identifico, em síntese, o surf. Mas este é um projeto para ser executado com tempo, sem data certa para terminar, enquanto houver pessoas para dialogar e experiências para viver, eu espero continuar produzindo.

- Qual você acha (ou como você imagina que seja) que é a melhor intersecção entre liberdade criativa e performance?

Colocar juntos, trabalho, criatividade e prazer, é uma coisa relativamente nova no mundo. O trabalho sempre teve relação com obrigações, cobranças, enquanto a criatividade esteve ligada a arte, a liberdade e ao prazer. Eu tenho uma teoria de que o surf se transformou em um mercado de tendências justamente por que muitas das pessoas deste meio sentem prazer em trabalhar com isto. O fenômeno vai além do esporte, está mais para um estilo de vida e, mesmo que se viva longe do mar, o surf representa valores e uma imagem que influenciam o modo de vida das pessoas. O mercado de pranchas de surf é um bom exemplo, os shaperssempre estiveram na vanguarda do design, pois além de shapers são surfistas (ao menos os que eu já conheci). Além de todo trabalho e conhecimentos necessários para se construir uma boa prancha, os caras estão sempre indo além, não por obrigação, mas porque gostam de surfe.
Acho que inovações, liberdade criativa e performance devem ser uma busca que não cessa. No mundo do trabalho nem sempre é fácil, tem pessoas com mais sorte e que conseguem encontrar facilmente condições de trabalho excelentes, outros passam a vida a procura disso. Mas veja bem, eu falo isto por mim, que tenho 34 anos e ainda estou procurando meu ambiente ideal de trabalho, com criatividade, autonomia, prazer, reconhecimento e grana, e espero continuar assim durante a vida toda. Enfim, acho que ideal é algo que se busca e não se alcança; só se aprimora.

- Quais são seus planos para os próximos meses ou anos?

As pesquisas continuam e o blog está a todo vapor, produzindo conteúdos, aumentando os amigos, leitores, parceiros, colaboradores e outros contatos. Para o primeiro semestre de 2013 estou me dedicando também a outro projeto bem legal, em associação com a marca Laura Mallozi, que faz o design e a produção de joias muito criativas. Estamos desenvolvendo uma coleção unissex de pingentes e acessórios com significados relacionados ao mar, a praia, o surf e a navegação. O resultado está ficando muito bom e em breve estaremos com a primeira coleção pronta.
Além disso, a ideia é continuar com as reflexões sobre surf e cultura de praia. Está faltando mais massa crítica neste meio, com ideias novas e resgate de alguns valores, o surf não é só mercado, nem é alienado, temos muito para falar e opinar. Fico grato de encontrar pessoas como os idealizadores do Surfari e seus colaboradores, seguindo sempre em frente na eterna busca do ideal!

A entrevista na integra está no site do Surfari: http://www.surfari.com.br/surfari-entrevista-madeira-agua/



quinta-feira, 4 de abril de 2013

Significados do Surfe - pt.3: life stylle


Você já se perguntou qual é o seu life stylle? O que define o estilo de vida? Em grande parte, o é resultado de como lidamos com as situações, por mais difícil que possa ser a vida de alguém, sempre existem escolhas.
Photos Pete’s Picks
Vou contar um causo. Um dia, um iguana de Galápagos se viu em uma situação difícil, numa ilhota abarrotada de outros iguanas. Além da gramínea cada vez mais escassa, este indivíduo tomou gosto pelas algas trazidas pelas ondas e passou a se alimentar de forma alternativa. Tempos depois, arriscou-se entre as pedras para comer algas frescas e enfim aprendeu a nadar. Hoje, continua iguana, mas vive de forma completamente diferente dos irmãos terrestres. Estilo de vida é a forma como você vê o mundo, se comporta e vive nele.
O estilo de vida, ou life stylle do surf tem uma história que envolve valores e preferências de certas pessoas. Muitos sujeitos contribuíram com o desenvolvimento do esporte, mas destilando suas histórias, vemos uma essência que podemos definir como o Life Sylle Surf. E porque não tentar definir o estilo de vida do surfe por suas figuras mitológicas?
Estilo de vida do surf existe a centenas de anos.
Gravura Ron Crocci. Surfistas ancestrais.

Respeito ao mar - Os primeiros surfistas havaianos e polinésios viviam em ilhas com fauna e flora ricas, mas a maior abundancia vinha do oceano, e por isto este povo se tornou mestre em tudo o que se refere ao mar. Um dos primeiros surfistas ocidentais era filho de um norte-americano com uma nativa havaiana e se tornou um dos fundadores do corpo de salva-vidas dos EUA. George Frenth nasceu em 1880 no Havaí, e era um esportista náutico e aquático completo, envolvido em competições de natação, navegação em canoas, além do surfe. As habilidades e disposição para enfrentar o mar em várias atividades marcaram as origens do esporte, com o espírito do povo polinésio, um misto de bravura e respeito ao mar.
Busca por novas ondas e experiências - O legendário Duke Kahanamoku seguiu esta tradição e a expandiu. Depois de ganhar medalha de ouro em natação nas Olimpíadas de 1920, passou a viajar demonstrando o surfe pelos EUA, Austrália, Africa do Sul entre outros lugares do globo. Duke pode ser considerado o primeiro surfista profissional, ou free surfer, patrocinado para divulgar a cultura e o destino de férias havaiano. Além do surf, Duke "tirou onda" como ator em todo tipo de filmes de Hollywood que tivesse algum nativo no enredo, atuando como índio apache, samurai ou esquimó. Estereótipos a parte, é importande dizer que Duke semeou o surf mundo afora, com sua tábua havaiana, descendo ondas desconhecidas, estabeleceu uma meta que se mantém entre todos os surfistas: a surf trip.
Duas figuras históricas: Tom Blaque e Duke Kahanamoku
Desprendimento e criatividadeTom Blake foi a ponte entre o surf ancestral havaiano e o surf moderno ocidental, tanto por seus feitos como pela personalidade. Blake ficou conhecido principalmente por seu empreendedorismo e inventividade, revolucionando as pranchas de surf, tornando-as mais leves e manobráveis, com as hollow boards (prancha de madeira com estrutura oca) e as primeiras quilhas. Sem medo de mudanças, este surfista dos primórdios inaugurou um estilo de vida, buscando ganhar a vida com o surf em um tempo que o esporte era considerado uma brincadeira excêntrica. Para isto, começou sua carreira como atleta, depois salva-vidas, dublê em filmes de ação e finalmente, mudou-se para o Havaí e lançou modas no arquipélago com o vegetarianismo e um estilo de vestir bastante despojado, sempre cultuando uma vida simples.
LeRoy Grannis.  O cara em pessoa.
Vida apaixonada - LeRoy Grannis foi um surfista e o grande fotografo do esporte. Nascido em 1917 em Hermosa Beach, pertenceu a uma geração que surfava em pranchas de madeira construídas manualmente. Grannis viveu um período de muitas mudanças e transições, entre guerras mundiais e crises econômicas, trabalhou como carpinteiro, militar, instrutor de lutas, até se transformar em fotografo por volta dos anos 60, quando já era um cara maduro. No surf viveu outra transição, das pranchas de madeira para o poliuretano, captou uma revolução na cultura, no design e no esporte, com lindas imagens das décadas de 1960 e 1970. O mito da fotografia e do esporte viveu intensamente até os 94 anos, alguns dizem que graças a água salgada que corria nas veias.
Perseverança e ousadia – Parece piegas, mas é assim que eu vejo o pai das pranchas de surf modernas, Bob Simmons. Ele ficou famoso por construir pranchas usando madeira, isopor e resina epoxy, a ancestral mais próxima das pranchinhas modernas. Porém, muito mais do que disto, Simmons ficou conhecido durante os anos 40 por ser grande surfista, que desbravou muitas ondas nos EUA, viajando em um Ford velho e morando em praias desertas. Neste sentido expressou a busca incessante dos surfistas em melhorar a performance e encontrar as melhores condições de ondas. Morreu afogado em um grande swell, na época que não existiam cordinhas que prendiam as pranchas ao pé. Muito stylle.
George Greennough dropando alto de joelho.

Simplicidade e vanguarda – Outro sujeitos responsáveis pelas manobras radicais do surf moderno é o surfista, cinegrafista e designer, George Greenough. Durante a década de 60, Greenough surfava com pranchões, kneeboards, bodyboards e boias infláveis, isto mesmo, o sujeito gostava de descer ondas e inventar suas próprias pranchas e acessórios. Uma de suas maiores metas era entrar e sair de dentro de um tubo com facilidade, coisa rara de se fazer na época. Inspirado na barbatana do atum desenvolveu uma quilha que se radicalizou o esporte. Apesar de ser um símbolo da inovação e da vanguarda, o cara é um exemplo de simplicidade, mora ainda hoje em Byron Bay (AUS) e diz a lenda que o cara pode passar anos sem calçar um sapato. É um dos maiores representantes do estilo de vida surfe-hippie. Afinal, para surfar e inventar coisas novas não é necessário nenhuma formalidade.
Gerry Lopes em Pipeline - 1975
Photo: Jef Divine

Adrenalina e equilíbrio – Poderíamos ficar longamente falando de muitos sujeitos, surfistas profissionais, shapers, fotógrafos e outros amantes do esporte que representam o estilo de vida do surf, mas Gerry Lopes é uma síntese do assunto. O havaiano nascido em 1948 ficou conhecido por desbravar todos os secret points do Havaí, e tantos outros mundo a fora. Nos anos 60, Pipeline Banzai, no Havaí, era uma onda praticamente impossível de surfar em dias clássicos, quando Gerry e uma turma de peso se mudaram para North Shore e fizeram história. Além de desenvolver pranchas adequadas àquelas condições (as Guns), Lopes ficou conhecido por ter um estilo calmo, mas extremamente radical. O sujeito parece um mestre shaolin do surf, ou um monge budista, equilibrado e sorridente, mas é um dos melhores e mais ousados surfistas da história.

O estilo de vida do surf não parece tão evidente quanto a identidade visual do surfista. Este é um esporte que se reconstrói constantemente, mas mantém valores antigos. Somos os iguanas do mar, mesmo que vivendo em terra. 

TEXTO DE REFERÊNCIA: The History of Surfing. Editora: Chronicle Books. Autor: Warshaw, Matt.