quarta-feira, 2 de outubro de 2013

DESIGN E CULTURA BEIRA-MAR: Stand Up Paddle (SUP), e a reconciliação com as canoas milenares.



Caminhar sobre as águas não é tão só história bíblica, mas um arquétipo humano; o desejo íntimo de conquistar territórios insólitos das águas. Não por menos, o Stand Up Paddle (ou SUP) tem se tornado uma febre mundo afora nos últimos anos, seja entre surfistas e não surfistas.



Gerry Lopez surfando de SUP, na Indonésia. 


Em todos os cantos do globo, em áreas costeiras, rios e lagos, encontram-se vestígios de canoas e outras embarcações simples, usadas para transporte, travessias, pesca, explorações, guerras, aventuras ou lazer. Equilibrar-se em um tronco cavado, tábua de madeira, vime, ou coisa flutuante e remar: aí está a síntese de toda navegação. Conduzir uma canoa ou prancha foi uma atividade engenhosa que possibilitou a humanidade expandir territórios e habitar todos os cantos do planeta. O SUP traz de volta nossa relação com as embarcações mais simples, devolvendo uma antiga sensação de liberdade e conexão com o ambiente e a natureza.



Sem dúvida existiram inúmeras culturas profundamente ligadas à navegação em canoas, mas os povos polinésios possuem uma tradição muito significativa neste sentido e, não por menos, o esporte que conhecemos por SUP nasceu no Havaí. Para os antigos havaianos, o ato de deslizar sobre as águas era cheio de significados, sociais e espirituais, tratados com solenidade no que eles chamavam de Ku Hoe He’e Nalu, algo como: “remar, levantar-se e deslizar sobre as ondas”. Segundo relatos, o próprio Duke Kahanamoku e outros beach boys (o equivalente havaiano aos nossos caiçaras), que disseminaram o surfe mundo afora no comecinho do Século XX, podiam sair remando em suas pranchas com as próprias mãos ou com auxílio de remos. Sendo assim, a própria origem do surfe esta relacionada às canoas e ao SUP.
Local: Papua Nova Guine, Photo Sergei Uriadnikov, Site 1234RF.com. 
Na década de 1940, o norte americano erradicado no Havaí, John Zapotocky, incentivado pelos beach boys de Waikiki passou a navegar e surfar com auxílio de remos durante a década de 1940 e, mesmo com a popularização do surf em pranchões e pranchinhas, manteve-se fiel ao paddle. Hoje Zapotocky, um ancião com mais de 90 anos é conhecido como o “pai do SUP moderno”. No entanto, já é reconhecido o pioneirismo de dois brasileiros, Osmar Goncalves e Joao Roberto Hafers, os primeiros surfistas brasileiros. Segundo registros fotográficos e relatos de conhecidos, estes amigos construíram hollowboards (prancha oca de madeira) na década de 1930 e passara a remar com auxílio de remos e surfar no litoral de Santos (SP), antes mesmo que o pai do SUP.
Osmar Gonçalves, Santos, SP, década de 1930.
O surgimento do SUP como esporte popular, tanto para pegar ondas, como para a pratica de corridas, travessias, passeios e lazer, inicia-se na década de 1990 com surfistas havaianos. Nomes como Brian Keaulana, Rick Thomas, Archie Kalepa e Laird Hamilton desenvolveram pranchas e equipamentos, aumentando as possibilidades do esporte. Laird Hamilton teve um papel importante, disseminando o SUP como alternativa para descer ondas grandes, trazendo muitos veteranos ao esporte, como Mr. Pipeline, Gerry Lopez. Após o ano 2000, depois se serem levadas para Califórnia e se tornarem febre, as pranchas evoluíram para modelos especiais, seja a pratica do surfe, de corrida ou travessias, com funções específicas para cada uso.
Laird Hamilton. Photo Tim McKenna.
As pranchas para travessia ou corrida possuem um desenho com hidrodinâmica semelhante ao casco dos veleiros para evitar o arrasto, a influência das ondas e aproveitar força das correntes. Por isso, estes shapes costumam ser maiores, normalmente com uma única quilha, menos rocker (inclinação do bico e da rabeta), outline estreito, fundo curvo na parte da frente e uma espécie de quebra-mar no bico, mesmo princípio que vemos em algumas canoas caiçara. Já o shape dos SUP para surfe pode variar bastante, mas segue os mesmos princípios das pranchas ou dos longboards, com a diferença de serem maiores e com maior espessura, para ter a flutuação necessária. Os remos também possuem especificações segundo funções.


Equilibrar-se em uma prancha, acima da superfície da água, exige que corpo esteja rijo e junto com a prancha sigam o ritmo das ondas, agindo de forma conexa. O fato de se manter em pé também possibilita ver além da linha do horizonte, trazendo uma vantagem em relação aos surfistas deitados na prancha, fora a vantagem dos remos para se locomover. Por isto, aos poucos, vêm sendo debatidas boas condutas do SUP nas ondas.

Trindade-RJ, Década de 70. Foto Fausto Pires de Campos.
De qualquer forma, o Stand Up Paddle proporciona um exercício físico completo, equilíbrio, conexão com a natureza, contemplação, meio de transporte e lazer para qualquer idade. Nada que um caiçara, índio ou pescador não soubessem há muito tempo!
(para ver uma entrevista com John Zapotocky, o velhinho remador, acesse o link http://www.youtube.com/watch?v=aeKOenwJWHo)