quinta-feira, 30 de agosto de 2012

O Surf Moderno e o Ancestral


Surf em pranchas Alaia e busca da identidade perdida.
Para quem não sabe, as pranchas de surf de madeira estão de volta. Elas voltaram de forma tímida nos anos 80 e 90 e agora estão se tornando comuns, mas ainda não populares. Alguns shapers-marceneiros começaram a construir modelos novos com técnicas e materiais modernos, criando uma rede de adeptos em todo o mundo. Talvez esta não seja uma tendência de mercado, mas o movimento tem crescido principalmente nas garagens e oficinas de surfistas amadores. Neste caso, amadores no sentido de pessoas que gostam muito de surf, pois a construção destas pranchas pode não ser coisa para principiantes, afinal são muito mais difíceis e artesanais do que as pranchas com blocos de poliuretano ou similares. Por este motivo também, preço de uma prancha de madeira pronta, pode ser muito maior do que a média das pranchas disponíveis no mercado.


As pranchas de surf de madeira ligam dois tempos, um muito antigo, repleto de técnicas e conhecimentos ancestrais e passados oralmente para a construção de pranchas, canoas e pequenas embarcações. Outra é a época atual, com grande acúmulo de tecnologias e designs avançados.Desta forma, um shaper de prancha de madeira precisa se informar tanto sobre as resinas e colas certas para o tipo de madeira, o design ideal para o modelo, como as técnicas e conhecimentos tradicionais, manhas de marceneiros, madeireiros e construtores de embarcações ancestrais. Mas o que motiva uma pessoa à construção de uma prancha em madeira, diante de um mercado tão rico em opções de pranchas? 

Primeiramente, comprar ou construir uma prancha de madeira não significa abdicar-se de surfar com pranchinhas de espuma e todas as vantagens das novas tecnologias, isto é, as pranchas de madeira costumam ser especiais para condições de mar específicas, de acordo com o modelo que foi projetada. As novas tecnologias de construção naval unidas com técnicas, materiais e designs de confecção das pranchas modernas permitem conceber modelos com desempenho muito próximo ao das pranchinhas atuais, surfando ondas grandes ou pequenas, cavadas ou gordas, com manobras ou clássico, de acordo com o seu tipo de surf.

Prancha de madeira tipo Hollow: primeiras inovações.
Outro ensejo é pelo fato de que todo surfista experiente um dia passa se interessar por outras formas de surf, faz parte experimentar outras modalidades, seja um longboard,SUP, Kite surf, ou em casos especiais aprender a pescar, velejar ou remar canoas em alto mar. Isto porque o surf não é um esporte isolado, mas uma atividade junto ao mar que não se limita a descer ondas. Para evoluir no esporte é necessário saber de vento, maré, meteorologia, hidrodinâmica, etc, e por isso, nada mais natural do que conhecer outras modalidades e sensações. As pranchas de madeira oferecem uma experiência única neste sentido, alguns projetos de prancha exigem destrezas de um caiçara em sua canoa ou um antigo polinésio.Finalmente, a vantagem da prancha de madeira é que,se bem construída e cuidada pode durar anos ou décadas, por isso devem ser muito bem feitas, pois não são descartáveis.

Novos modelos de prancha de madeira tipo Hollow: o ancestral e o novo.
Mas antes de empreender um projeto destes, ou despender um dinheiro para encomendar uma prancha de madeira, vale a pena pesquisar sobre os modelos, técnicas, etc. Existem as pranchas ancient que são cópias ou releituras das antigas alaias (tábuas, no idioma dos antigos havaianos), feitas de madeira maciça; hollowboards (prancha oca), com um esqueleto interno semelhante aos barcos, e uma infinidade de modelos híbridos, que unem técnicas novas e permitem desempenhos mais próximos ao estilo de surf moderno. Talvez, um dos melhores endereços para iniciar uma pesquisa sobre pranchas de madeira é o blog australiano Wooden Surfboards, onde shapers do mundo inteiro postam fotos e relatos de suas criações. 

Wooden Surfboard Day, em Gold Coast AUS, 
reúne shapers e surfistas construtores de prancha de madeira
Os próximos posts do Madeira & Água irão resgatar informações e técnicas da construção de pranchas de surf de madeira, assim como história e sabedorias dos artesãos de pequenas embarcações tradicionais. Acompanhem!

quarta-feira, 15 de agosto de 2012

Quilhas: princípios do design




  O design das quilhas é um dos elementos mais sensuais das pranchas de surf, tal como um corpo feminino, possuem formatos harmônicos e cheios de curvas. Em termos práticos elas definem do estilo de surf e possibilitam controle da prancha em diversas situações, como em ondas grandes ou em manobras extremas.
Com a função de absorver a energia do fluxo de água, dando direção e agregando pressão e velocidade, os princípios hidrodinâmicos das quilhas são complexos, mas não se preocupe, quebramos a cabeça para explicar o melhor possível o que os peixes já nascem sabendo. 
Em função de seu desenho, as quilhas podem melhorar ou comprometer o funcionamento de uma prancha de surf e por isto é necessário conhecer as variáveis que influenciam o desempenho do surfista.Atualmente temos uma infinidade de materiais, tecnologias e designs, e podemos fazer a escolha do melhor equipamento compreendendo os princípios contidos em cada desenho. 

Os formatos das quilhas e seus princípios 

Variáveis no desenho da quilha: template, base, ponta , area, profundidade, inclinação e foil.

Pensando o formato básico da quilha como um triângulo, a parte da frente onde fica a curvatura, chama-se template. A parte de baixo é a base, onde medimos o comprimento da quilha. Juntos, template e base formam a área da quilha. Quanto maior a área, mais superfície a quilha terá para empurrar a prancha contra a água e consequentemente, maior drive (direção) terá a prancha. Quilhas com base comprida e maior área costumam desenhar arcos mais longos na onda, isto é, curvas mais abertas e com maior velocidade na cavada. 
Para longborders que surfam ondas grandes ou rápidas, pessoas pesadas, ou que fazem manobras com muita velocidade, exercendo maior a pressão sobre a prancha, aconselha-se as quilhas maiores (com mais área). 

Quilhas com bastante área de contato 
O bico da quilha (ponta ou tip) é a área oposta a base e segue o mesmo princípio, quanto mais área, maior o drive (direção)e a impulsão. As quilhas que possuem a ponta com maior área proporcionam mais impulsão, velocidade e segurança, mas ficam mais presas nas curvas e manobras. Quanto mais estreita a ponta, maior agilidade, porém menor impulsão.Para manobras que jogam muita água ou rasgadas derrapando a prancha, o ideal são quilhas com base comprida e ponta fina. 

Quilhas mais área nas pontas 

Existe outro fator decisivo para o controle da prancha: a profundidade (depth).É o quanto a quilha penetra dentro da água. Se a profundidade da quilha for maior, obtemos segurança e o comando da prancha em uma cavada ou mudança de direção. Por outro lado, maior segurança nas curvas significa atrito com a água, isto é, perda de velocidade. Quanto menor a profundidade, mais velocidade e mais facilmente a prancha irá derrapar (desgarrar). 

Quilhas com maior profundidade

A profundidade está relacionada ou o ângulo de curvatura da quilha. O ângulo é medido entre a linha vertical que parte do centro da base, até o ponto mais alto da quilha. Quanto maior a inclinação do outline da quilha (para trás), mais longo é o arco da curva nas manobras e maior velocidade em linha reta. Quanto menor a inclinação, mais facilidade terá a prancha para pivotear e inverter a direção. 

Quilhas com menor ângulo de inclinação 

Outro aspecto levado pouco em consideração é o chamado foil. Esta é a seção hidrodinâmica da quilha no sentido longitudinal, ou melhor, é a barriga da quilha. O foil afeta a forma como a prancha se move dentro d'água, gerando tanto impulsão (lift), quanto arrasto (drag). Normalmente as quilhas centrais possuem foil equilibrado, enquanto as laterais possuem foil somente do lado de fora. Atualmente as quilhas novas vêm explorando mais os benefícios hidrodinâmicos deste componente. 

Efeitos do foil das quilhas na forma de surfar

Finalmente, a capacidade de flexão e deflexão da quilha é uma variável a serem consideradas. Da mesma maneira que um arco e flecha, quanto maior a flexão e mais rápida a deflexão, maior a impulsão. Para estes efeitos o material da quilha é essencial, pois materiais como o plástico possuem muita flexão e pouca deflexão, proporcionando pouca impulsão, enquanto o carbono possui ótima deflexão, porém pouca flexão, o que também restringe a impulsão.O material que possui maior grau de flexão e também de deflexão é a fibra de vidro, que consequentemente possui maior impulsão entre os materiais atualmente utilizados.Existem ainda outros materiais alternativos como a madeira, que normalmente recebem tratamento com resina e fibra de vidro e suas propriedades de flexão dependem o tipo de madeira (mais maleável ou maciça). 

Como o desenho das quilhas influenciam o surf 

As quilhas com maior área possuem maior drive, isto é, são mais rápidas e seguras na cavada da onda, mas fazem arcos mais largos e curvas abertas, ideais para um surf mais clássico e linear. As quilhas com drive são aquelas com base mais comprida, com bicos com maior área ou quilhas mais profundas e curvadas. 


O pivot é o tamanho do arco para fazer um retorno de 180º na linha da onda, conhecido como o turning. Um arco mais fechado e curto está relacionado com quilhas que possuem menor área, maior profundidade, menor curvatura e foil interno (no caso de quilhas laterais). Um arco longo (menos pivot) são características de quilhas com maior área ou com curvatura maior. 



Outro efeito das quilhas na maneira de surfar é a aderência da prancha na onda. Quanto maior o hold maior a aderência e segurança nas cavadas, mas em excesso dificulta as manobras. Quilhas menores, com menor profundidade e menor área (principalmente no bico) proporcionam menos hold


Tendências no design de quilhas 


Atualmente existem tendências de acordo com o tamanho das ondas e manobras dos surfistas da nossa época. Dessa forma, para escolher a melhor quilha, o surfista ou shapper deve levar em consideração um conjunto de fatores, como tipo de prancha, tamanho e peso do surfista, a onda que vai ser surfada, o estilo de surf (considerando se o surfista faz muitas manobras, ou gosta de seguir a linha da onda), etc. Cada variável da quilha trará um efeito. 

 Jimmi Cane

Para ondas pequenas costuma-se usar quilhas de base larga, ponta fina (com menos área), menor profundidade e inclinação. Assim, obtém-se maior tração (drive) - em função da base larga - a água jorra com mais facilidade - em função da ponta mais fina – a prancha derrapa sem desgarrar - em função da menor profundidade e pivotear mais facilmente, graças à menor inclinação do outline

Foto: Hank

Já para ondas maiores, as quilhas podem ter a base um pouco mais estreita - para proporcionar mais estabilidade nas curvas - ponta com área levemente maior - para obter maior impulsão - profundidade proporcionalmente maior com relação ao tamanho e a força das ondas - e inclinação maior, para garantir um arco mais fluído nas curvas, como pede o surf contemporâneo.

segunda-feira, 6 de agosto de 2012

A quarta revolução das quilhas

Kelly Slater surfando Teahupoo com as novas quadriquilhas

Os últimos posts do blog Madeira & Água vêm fazendo um histórico do surgimento e evolução das quilhas. Desde os primeiros estabilizadores inventados por Tom Blake no final da década de 1930, que inspiraram os modelos de pranchas de Bob Simmon com uma ou duas quilhas que ajudariam surfistas a conquistarem as primeiras ondas maiores que 10 pés na década de 1950, ou o design das velozes TunFin (quilhas rabo de atum) de George Greennough na década de 1960 e profissionalização dos shapers nos anos 70, consagrando as pranchinhas de duas quilhas, graças ao campeão Mark Richards e finalmente a Thruster com três quilhas na década de 1980, que colocaram o nome de Simon Anderson para a história moderna do esporte. 


Mas o que faz um modelo ou design de prancha perseverar e outros parecerem experiências bizarras? Vantagens técnicas, sorte, perseverança dos shappers, ou o marketing das marcas de surf? A invenção das pranchas de quatro quilhas no início da década de 1980, o seu esquecimento e a volta triunfal nos últimos anos trazem esta duvida. Nos anos 70 havia uma a disputa dentro e fora do mar para encontrar o melhor design de pranchas,até a febre as pranchas de 3 quilhas entrarem em cena no início da década de 1980, tornando-se unanimidade. No entanto, outro modelo de prancha aparecia nos campeonatos de forma tímida e despretensiosa, as quadriquilhas ou quad fin

Bocão disputando campeonato com quatro quilhas no começo dos anos 80

O primeiro shapper a construir uma prancha com quatro quilhas não dá para saber quem foi, mas o brasileiro Ricardo Bocão foi sem dúvida o pioneiro da década de 1980 que desenvolveu pranchas de quatro quilhas e disputou campeonatos ao redor do mundo com elas, comprovadamente por fotos e matérias em revistas de surf (normalmente ironizando o “excesso” de quilhas). Mas o mérito foi para outro shapper e surfista profissional, o australiano Glenn Winton, conhecido como Mr X, famoso por seu estilo de surfar e por aparecer na final do mundial na década de 80 com uma quad fin, ganhou fama. Acho que já ouvi esta história antes, afinal quem inventou o avião foi Santos Dumon ou os irmão Wright? Todos dizem Wright, mas sabemos bem que foi Santos. O que se sabe é que Ricardo Bocão desenvolveu o primeiro modelo 1981, inspirado pela evolução da Thruster, passando a usar as quatro quilhas em campeonatos até 1983. O fato é que nem Bocão nem Glenn Winton conseguiram vender a ideia.

Bruce Mckee desenvolvendo quad fin nos anos 80 e 90.

Ao longo dos anos 80 e 90 outros shappers foram aperfeiçoando e desenvolvendo o modelo quadfin, mas sem muito sucesso. Na década de 1990, surfistas como Tom Curren e Tom Carrol, apareceram surfando quadriquilhas e elogiando a performance da prancha, mas sem levantar bandeiras para o assunto. Mais atualmente, Andy Irons e principalmente Kelly Slater, tomaram gosto do modelo, popularizando as quadfin entre os surfistas. Mas porquê não deu certo com o Bocão? O mercado estava muito deslumbrado com a trusther para se abrir para novas ideias? Faltou algum grande surfista ou guru comprar o conceito? Bem, no mundo das invenções tem dessas coisas, muitas vezes uma inovação boa não está adequada a seu tempo, precisa maturar.

Mr X surfando uma quad, depois de Bocão...