segunda-feira, 14 de julho de 2014

Um Catamarã para a Costa Verde

Nas ultimas férias, visitando amigos em Angra dos Reis começamos o projeto de uma embarcação, sem maiores custos e feita à mãos. A missão seria conquistar algumas ilhas próximas aquela baía onde eles vivem com suas famílias. E quem já leu as aventuras de Amir Klink sabe, a concepção de um barco é tão importante quanto a viagem, ou melhor, é parte dela.

George Hunter
 
Desde a Costa Verde do litoral fluminense às bandas de Ubatuba, o lugar é feito para se navegar. E se a vista para o mar é linda, a costa avistada da água possui as curvas femininas, uma autentica nativa, a belíssima: Serra do Mar. A terra sagrada dos Tupinambás mantem seus encantos, mesmo com seus grandes portos, a extração petroquímica, cidades mal planejadas ou áté mesmo, reatores nuclear.

Subindo a rodovia Rio Santos, seguimos eu e minha mulher rumo o litoral sul fluminense ao encontro de amigos que hoje vivem praquelas bandas. Vinícius Ramos, o Vico, hoje é chefe da Area de Proteção Ambiental (APA) Tamoios, onde ele e sua família, Fê e os pequenos Pedro e João foram os pioneiros da nossa turma. Em seguida o Felipe Spina, vulgo Gordo, e sua namorada Camila foram para trabalhar com gestão ambiental naquele litoral. Logo cheguei e concordamos que o lugar devia ser explorado pelas águas, e o projeto da embarcação teve início.

No primeiro dia, começamos decidindo entre uma canoa caiçara, Stand Up Padles para travessias, caiaques, jangada ou veleiro. A decisão depende essencialmente dos recursos que se tem às mãos, e à primeira vista, tínhamos uma diversidade de madeiras a nosso redor.




    A canoa de um pau é a mais tradicional, um grande tronco esculpido na base de machado e enxó. A região tem ótimas madeiras para construí-las, o Guapuruvú, o Cedro, a Timbuva, a Canela-Preta, Canela-Nhunguvira, entre outras usadas por índios e caiçaras. Mas eramos um sociólogo, um engenheiro florestal e um biólogo preocupados com a preservação daquela região, portanto, sem chance de cortar uma arvore sem replantio, autorizações, plano de gestão, etc. Melhor seria deixar as espécies nativas em paz e procurar outras opções.

     O Vico lembrou que havia um morro cheio de Agaves, uma madeira leve e muito flutuante, boa para fazer uma prancha de Stand Up Padle ou uma balsa, como as usadas no Peru desde as civilizações pré-Incas. O Agave é uma planta exótica, comum nos jardins e canteiros centrais de vias públicas, das folhas se usam as fibras e do miolo se faz a tequila, mas a parte que nos interessa é o tronco que nasce no final da vida desta planta, muito poroso e leve como um poliuretano. Como não são nativas do Brasil, o corte é liberado. Mas para fazer pranchas como estas é necessário dominar o uso de resina epoxy e fibra de vidro, que não tem segredos e o resultado é semelhante ao de uma prancha de surf, um pouco mais rústica.

  No entanto, uma visita ao local e percebemos que o terreno era intransponível, e extração nossa matéria prima se mostrou inviável.

   Voltando da nossa busca por madeiras passamos pela cidade de Angra dos Reis e um raio caiu sobre as ideias: o lixo urbano ia salvar a gente do naufrágio. Lembrei de um sujeito que fazia
pranchas de surf com garrafas pet, o gaúcho Jairo Lumertz que adaptou técnicas e criou um projeto de surfe e Stand Up Padle reutilizando material descartado. Com 45 garrafas pet é possível fazer uma prancha que sustenta uma pessoa, logo, calculamos por volta de 400 garrafas seria o suficiente para construir os cascos de um pequeno catamarã.

  O catamarã é como uma canoa de dois cascos, hidrodinâmica como um veleiro e estável como uma balsa, semelhante aquelas canoas que os polinésios viajavam longos percursos, Além de ser fácil de velejar e remar, o desenho desta embarcação se adaptaria perfeitamente à nossa matéria prima. O pet das garravas de refrigerante é bastante resistente, colocando-se gelo seco dentro fica dura e com grande flutuação. Depois disso, cola de poliuretano, resina epoxy, telas, bambu, redes, tábuas, o reaproveitamento de madeiras e outros materiais seriam suficiente para fazer uma bela embarcação, forte suficiente para nossas jornadas pela costa.


Ron Croci

  O trabalho começa no papel, desenhando, calculando e visitando pontos de reciclagem, revirando o lixo do vizinho. Um bambuzal no caminho e um papo com o dono do terreno e temos outro excelente material para confecção de remos, mastros e outras partes do catamarã. Depois de um pequeno tratamento o bambu vale ouro! Em alguns dias tínhamos um bom projeto, material suficiente para iniciar a construção dos cascos e desenho de outras partes, como lemes, quilhas, velas, convés, etc. 

  O projeto cresceu e voltei para casa com um barco inacabado. Mas a existem adversidades que só melhoram a situação, pois em São Paulo descobrimos uma mina de recursos, a cada quarteirão uma caçamba abarrotada de entulhos, restos de reformas de apartamento e obras com uma infinidade de materiais a disposição. As madeiras das matas que queriamos preservar estavam todas lá: perobas, cedros, freijó, ipês, cumaru, a mais pura nobreza dispensadas como lixo, além de outros materiais muito úteis para a construção náutica.

As pessoas se preocupam apenas em possuir coisas e não se dão conta do valor dos materiais que jogam fora.

  O trabalho continua, nos feriados e finais de semana, na expectativa de que este verão a as ilhas e baias daquela costa vejam um catamarã diferente, nascido dos restos da cidade e do lixo urbano, contrariando toda a lógica do consumo e do desperdício, aproveitando as ondas e o vento como qualquer barco, conquistando os mares sem derrubar uma árvore.