segunda-feira, 16 de julho de 2012

A terceira quilha: sorte, destino ou perseverança?

Na primeira metade do século XX, um economista chamado Joseph Schumpeter definia a inovação como o signo da modernidade e combustível do capitalismo. A história recente do surf me faz pensar sobre estas inovações e o como são aleatórias. Isto porque costumamos pensar tudo de forma linear, como se as inovações fossem inevitáveis, destinadas a acontecer, quando na verdade são fruto de um conjunto de fatores casuais. Desde as Olo, usadas por reis havaianos, às modernas pranchas com alto desempenho, muito tem sido experimentado em matéria de design de surf, mas o que levou algumas destas experiências se transformarem em paradigmas?

Simon Anderson dropando com a Thruster

Até a década de 1960 houve um avanço nos modelos de pranchas de surf, com blocos leves, resinas resistentes e quilhas que permitiam um surf muito mais versátil, mas os anos 70 viriam com novas experiências bem sucedidas. Foi assim com as quilhas gêmeas e o shape consagrado do tetra campeão mundial Mark Richards que prevaleceu até 1980. Até esta data, ondas menores eram surfadas com biquilhas e ondas grandes com guns monoquilhas, mas o paradigma foi quebrado quando um surfistas e shapper criou as três quilhas gêmeas, e a pranchinha batizada de Thruster, se tornaria um padrão por mais de 30 anos, mantendo-se  o modelo predileto da maioria dos surfistas até hoje.

Thruster e as 3 quilhas 

O australiano Simon Anderson era um surfista profissional que dedicava parte do tempo ao design de pranchas. Da mesma linhagem de surfistas australianos lendários, como Net Young, Peter Drouyn, e David Humphrey, até final da década de 1970 Anderson havia conseguido boas colocações em campeonatos nacionais e no ranking do mundial, surfando principalmente em pranchas monoquilhas. Nesta época Mark Richards era o campeão absoluto do WCT (World Championship Tour), assim como o modelo biquilha desenvolvido por ele. Anderson, com mais de 1,8 metro de altura não se dava bem com as biquilhas, assim como em ondas pequenas, frequentes nos campeonatos. Em 1980, Anderson observou que uma prancha de seu colega Frank Williams tinha, além das duas quilhas convencionais, uma pequena quilha estabilizadora centralizado na parte de traz. Esta foi a solução ao desempenho das biquilhas, e Anderson Simon criou a Thruster, com 3 quilhas do mesmo tamanho dispostas de forma triangular. Era outubro de 1980.
Mas o modelo de três quilhas quase não foi notado. Em 1981 Anderson expôs sua triquilha em uma feira de surf em Orlando (EUA), onde foi motivo de muitas piadas. Em seguida, competiu sem muito alarde em Burleigh Heads (AUS) onde foi desclassificado e a Thruster pouco notada. Eis que inicia um dos campeonatos mais tradicionais da Austrália, o Rip Curl Pro Bells Beach e Anderson venceu a primeira bateria com suas triquilha Thruster, ainda sem levantar interesse.

Mark Richards marcou presença no Rip Curl  Pro Bells Beach

O segundo dia Bells Beach amanheceu em condições épicas, com ondas perfeitas de até 12 pés (4 metros) e um oponente dos mais difíceis, o havaiano de North Shore, Bobby Owens. Bobby surfava com um modelo gun monoquilha e Anderson com a novidade de três quilhas, a competição foi acirrada e todos mantiveram os olhos fixos nos competidores daquele dia memorável. A cada onda as opiniões se dividiam, mas por fim, a Thruster saiu da água mais campeã que o próprio Anderson. Naquelas condições, o sucesso foi instantâneo e todos vieram perguntar sobre a prancha inusitada de três quilhas  e seu bom desempenho. Foi exatamente este o dia que as triquilhas se transformaram no novo paradigma do surf.

Graças ao desempenho de de Anderson em Bells Beach as 3 quilhas ganharam reconhecimento

A inovação da prancha Thruster pegou e se manteve, graças a vitória de Anderson Simon. Mas e se ele não tivesse competido, ou o desempenhado dele naquele dia tivesse sido dos piores? E se as condições do mar não fossem tão perfeitas na famosa Bells Beach e ninguém notasse? As três quilhas teriam se tornado o paradigma das pranchas de surf por mais de 30 anos, ou seriam vistas como mais uma experiência excêntrica? Nunca vamos saber, mas isto me faz pensar que as inovações são essencialmente experiências, e o que faz elas se transformarem em paradigmas são situações totalmente aleatórias, sorte ou acaso. Depois que funcionam e se tornam inovação, parecem ter sido destinadas a acontecer.

Relato e fotos o lendário campeonato de Bells Beach de 1981 
Parabéns, caro Simom Andersom, pela prancha Thruster e por Bells naquele dia clássico de 1981!
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