Publicado em: Surfguru
Assim como um marinheiro bem vivido sabe ler o vento, as ondas e outros sinais, existem olhares treinados que enxergam o que está por vir. São os chamados captadores de tendências.
Assim como um marinheiro bem vivido sabe ler o vento, as ondas e outros sinais, existem olhares treinados que enxergam o que está por vir. São os chamados captadores de tendências.
Estes pobres coitados devem quebrar a cabeça ao olhar o cenário de hoje. Captadores de tendência navegam
o cotidiano, muito além do mercado ou moda eles buscam entender as mudanças nos
comportamentos, das tecnologias, conceitos, prevenindo onde tudo isto vai dar. Mas
com tanta coisa acontecendo, anda difícil prever o que está por vir.
No universo de um
esporte como o surfe, por exemplo, observamos uma diversificação das
modalidades, sejam pranchinhas, pranchões, Tow in, Stand Up, Kite Surf, Kneeboards,
body boards ou hand planes.
Em um mundo tão superlotado como hoje,
qual significado adquiriu um esporte antigo como o surfe? Para onde vai o barco?
Foto: Dylan Gordon . Classic Ventura evening with Troy Mothershead. |
Um famoso autor analista das
tendências sociais, Richard Dawkins explica o fenômeno como um gene que consegue se propagar, sendo
responsável por mudanças culturais. Por exemplo, nos anos 60 um livro chamado Primavera Silenciosa (Silent Spring) simbolizou
a inquietação de um grupo de ativistas preocupados com a forma como
estamos nos relacionando com a natureza. O gene desta ideia evoluiu aos poucos,
tornando-se parte da nossa cultura. Hoje vemos a influência daquele “gene” no
movimento ecologista, nas leis ambientais, na política, na sociedade civil, nos
produtos sustentáveis, assim como no estilo de vida das pessoas. A ideia
original é a busca por comportamentos equilibrados, que recebeu o nome de sustentável.
A identidade comum à todas as
modalidades do surfe é o gene de uma busca, um questionamento da vida moderna.
Um dos maiores ídolos do surfe
moderno é o salva-vidas e big rider, Eddie Aikau. Ainda vivo era uma lenda, e teve um papel fundamental para o surfe de ondas
grandes. Após o fatídico episódio da sua morte, virou herói. Mas o
que nos interessa é a trajetória deste sujeito de vanguarda. No auge de suas conquistas
como surfista, passou a dedicar-se às atividades de salva-vidas, além do
projeto de reconstituição das grandes travessias, feitas nas canoas dos ancestrais
polinésios. Eddie passou a ser um signo do surfe, principalmente depois de sua
morte trágica, na tentativa de salvar a tripulação de um naufrágio. Buscava a tal essência perdida.
Não foi por coincidência que nos
anos 80 começava um novo movimento entre surfistas profissionais ao redor do
mundo. Cansados da pressão e limitações dos campeonatos, atletas e
patrocinadores encontraram um meio termo: o freesurfe. Neste sentido, o movimento era uma volta à essência
do esporte, graças à evolução das tecnologias digitais de comunicação, que
permitiram divulgar imagens nas mídias virtuais, vinculando o estilo de vida do
atleta à marca.
À frente dos freesurfers estava Tom Curren e a
marca Rip Curl. Nos anos 90, o atleta
tricampeão mundial abandonou o circuito no auge da carreira e encabeçou um
projeto chamado The Search. Com um
slogan destes a Rip Curl se tornou uma das maiores marcas
do mercado. A ideia foi revolucionária, criou-se o mito da profissão perfeita,
unindo uma vida simples de surfista com todos os confortos da modernidade. Mas
nem tudo é o que parece, sabemos que os atletas-propaganda também possuem uma
agenda rígida, ditada por swells e
temporadas de ondas. Mas foi uma grande sacada, o estilo de vida do surfe vinculado a uma marca comprovou a força desta imagem.
O lema da busca pela onda
perfeita possui um signo que transcende, remete uma inquietação dos nossos tempos. A essência (ou o
gene) daqueles questionamentos dos anos 60 surge na forma de urgência de um
estilo de vida equilibrado.
Um indício recente dos questionamentos do
surfe é o fenômeno iniciado pelo shaper Tom Wegener. Este californiano radicado
na Austrália revolucionou o design de pranchas ao reinventar as Alaia. Tom já
seguia a tendência de construir pranchões semelhantes aos usados durante os
anos 50 e 60, que possibilitavam um surfe muito divertido, principalmente em
certos tipos de onda. Após uma visita ao Havaí, começou a reconstruir os
principais modelos de pranchas de madeira até chegar à ancestral Alaia. Melhorando
o desenho ele descobriu uma nova modalidade de surfe. Uma tabua de madeira sem
quilhas possibilita maior conexão com as ondas e o mar. A grande inovação
das Alaias é justamente a simplicidade do projeto.
Enfim, no surfe sempre vai
existir um núcleo inquieto, um gene mais antigo que imaginamos, dos povos
polinésios talvez, buscando a ilha perdida, o paraíso, o equilíbrio, a
mente sã. E assim, as tendências do esporte apontam para duas direções, a
diversificação das modalidades, com uma ampliação do mercado, e a consolidação
de uma identidade, questionadora da vida moderna e do mainstream.
Assim diria, um marinheiro das tendências...
Fontes visitadas:
Revista Hardcore: http://hardcore.uol.com.br/18449-muito_alem_do_tourEnciclopédia do Surfe: http://encyclopediaofsurfing.com
The Selfish Gene. Oxford: Oxford University Press, 1976. ISBN 0-19-286092-5
Rip Curl: http://www.ripcurl.com.br