Caminhar sobre as águas não é tão só história bíblica, mas um arquétipo humano; o desejo íntimo de conquistar territórios insólitos das águas. Não por menos, o Stand Up Paddle (ou SUP) tem se tornado uma febre mundo afora nos últimos anos, seja entre surfistas e não surfistas.
Gerry Lopez surfando de SUP, na Indonésia. |
Em todos os cantos do globo, em áreas costeiras, rios e lagos, encontram-se vestígios de canoas e outras embarcações simples, usadas para transporte, travessias, pesca, explorações, guerras, aventuras ou lazer. Equilibrar-se em um tronco cavado, tábua de madeira, vime, ou coisa flutuante e remar: aí está a síntese de toda navegação. Conduzir uma canoa ou prancha foi uma atividade engenhosa que possibilitou a humanidade expandir territórios e habitar todos os cantos do planeta. O SUP traz de volta nossa relação com as embarcações mais simples, devolvendo uma antiga sensação de liberdade e conexão com o ambiente e a natureza.
Sem dúvida existiram inúmeras culturas profundamente ligadas à navegação em canoas, mas os povos polinésios possuem uma tradição muito significativa neste sentido e, não por menos, o esporte que conhecemos por SUP nasceu no Havaí. Para os antigos havaianos, o ato de deslizar sobre as águas era cheio de significados, sociais e espirituais, tratados com solenidade no que eles chamavam de Ku Hoe He’e Nalu, algo como: “remar, levantar-se e deslizar sobre as ondas”. Segundo relatos, o próprio Duke Kahanamoku e outros beach boys (o equivalente havaiano aos nossos caiçaras), que disseminaram o surfe mundo afora no comecinho do Século XX, podiam sair remando em suas pranchas com as próprias mãos ou com auxílio de remos. Sendo assim, a própria origem do surfe esta relacionada às canoas e ao SUP.
Local: Papua Nova Guine, Photo Sergei Uriadnikov, Site 1234RF.com. |
Na década de 1940, o norte americano erradicado no Havaí, John Zapotocky, incentivado pelos beach boys de Waikiki passou a navegar e surfar com auxílio de remos durante a década de 1940 e, mesmo com a popularização do surf em pranchões e pranchinhas, manteve-se fiel ao paddle. Hoje Zapotocky, um ancião com mais de 90 anos é conhecido como o “pai do SUP moderno”. No entanto, já é reconhecido o pioneirismo de dois brasileiros, Osmar Goncalves e Joao Roberto Hafers, os primeiros surfistas brasileiros. Segundo registros fotográficos e relatos de conhecidos, estes amigos construíram hollowboards (prancha oca de madeira) na década de 1930 e passara a remar com auxílio de remos e surfar no litoral de Santos (SP), antes mesmo que o pai do SUP.
Osmar Gonçalves, Santos, SP, década de 1930. |
O surgimento do SUP como esporte popular, tanto para pegar ondas, como para a pratica de corridas, travessias, passeios e lazer, inicia-se na década de 1990 com surfistas havaianos. Nomes como Brian Keaulana, Rick Thomas, Archie Kalepa e Laird Hamilton desenvolveram pranchas e equipamentos, aumentando as possibilidades do esporte. Laird Hamilton teve um papel importante, disseminando o SUP como alternativa para descer ondas grandes, trazendo muitos veteranos ao esporte, como Mr. Pipeline, Gerry Lopez. Após o ano 2000, depois se serem levadas para Califórnia e se tornarem febre, as pranchas evoluíram para modelos especiais, seja a pratica do surfe, de corrida ou travessias, com funções específicas para cada uso.
Laird Hamilton. Photo Tim McKenna. |
As pranchas para travessia ou corrida possuem um desenho com hidrodinâmica semelhante ao casco dos veleiros para evitar o arrasto, a influência das ondas e aproveitar força das correntes. Por isso, estes shapes costumam ser maiores, normalmente com uma única quilha, menos rocker (inclinação do bico e da rabeta), outline estreito, fundo curvo na parte da frente e uma espécie de quebra-mar no bico, mesmo princípio que vemos em algumas canoas caiçara. Já o shape dos SUP para surfe pode variar bastante, mas segue os mesmos princípios das pranchas ou dos longboards, com a diferença de serem maiores e com maior espessura, para ter a flutuação necessária. Os remos também possuem especificações segundo funções.
Equilibrar-se em uma prancha, acima da superfície da água, exige que corpo esteja rijo e junto com a prancha sigam o ritmo das ondas, agindo de forma conexa. O fato de se manter em pé também possibilita ver além da linha do horizonte, trazendo uma vantagem em relação aos surfistas deitados na prancha, fora a vantagem dos remos para se locomover. Por isto, aos poucos, vêm sendo debatidas boas condutas do SUP nas ondas.
Trindade-RJ, Década de 70. Foto Fausto Pires de Campos. |
De qualquer forma, o Stand Up Paddle proporciona um exercício físico completo, equilíbrio, conexão com a natureza, contemplação, meio de transporte e lazer para qualquer idade. Nada que um caiçara, índio ou pescador não soubessem há muito tempo!
(para ver uma entrevista com John Zapotocky, o velhinho remador, acesse o link http://www.youtube.com/watch?v=aeKOenwJWHo)