segunda-feira, 24 de agosto de 2015

Madeira, Água e Bonete...

Uma viagem no tempo.

Vídeo de Adriano Pena, sobre a praia do Bonete e a cultura caiçara. 

Um cantinho resistente a toda parafernália moderna, um resquício quase perdido da tradicional canoa caiçara, um pequeno paraíso ameaçado, com muito surf e pesca. 

segunda-feira, 6 de julho de 2015

A genética das pranchas de surf.

Existe algo misterioso na tecnologia e na forma como nascem as maquinas e objetos que usamos cotidianamente. Estranho como certos conceitos permanecem como um "gene" esquecido, isto é, idéias que nascem e por motivos diversos se vão, mas algo permanece. Um dia, nasce algo totalmente novo, mas é uma releitura de idéias passadas.

Bob Simmons abrindo caminho para o surf em ondas maiores 

Nos anos 40, as melhores pranchas de surf eram feitas de madeira balsa. No entanto, nesta mesma época, eram raros os shapers profissionais, levando uma legião de garotos construírem ou repararem suas pranchas na garagem de casa. Era um autêntico e espontâneo laboratório de inovação. 

O grande destaque deste período foi um garoto californiano, Bob Simmons, que passou a experimentar materiais disponíveis, como isopor, resinas, compensados de madeira, enfim, uma diversidade de modelos e materiais. O modelo mais significativo deste shaper surfista foi uma prancha menor (com aproximadamente 7 pés), semelhante aos fanboards de hoje, com duas quilhas, feito com madeiras industriais, resina epoxy e isopor.

Simmons influenciou alguns surfistas locais com suas pranchas inovadoras, possibilitando pegarem ondas maiores e com muito mais controle. O sujeito morreu afogado em um grande swell aos 35 anos (para saber mais sobre sua história acesse este link) sem ter ideia de que seria considerado o pai das pranchas modernas shapeadas em poliuretano e com resina epoxi ou poliéster.

Nick e Bear Mirandon. Anos 60.

O design das pranchas de Simmons não influenciaram tanto as prancha na época como os materiais que experimentou, causando uma revolução com uso de derivados de petróleo (resinas epoxy, poliéster e blocos de poliuretano). Mas o gene das idéias de Simmons estava lá, e quase 20 anos depois, inspirado no design das duas quilhas, os irmãos Nick e Bear Mirandon fizeram um modelo biquilha, buscando uma prancha rápida e manobrável, mas que funcionassem com a segurança de uma pin tale (quando a rabeta termina em forma de bico). A ideia não vingou muito, mas reavivou conceitos esquecidos.

Prancha Fish, Steve Lis, uma unanimidade nos anos 70. 


Nesta mesma época, também inspirado por Simmons, Steve Lis, um adolescente que surfava de kneeboard (uma prancha que o surfista fica de joelhos) criou a primeira prancha fish tale, com duas quilhas. Dois grandes surfistas havaianos da época, Reno Abellira e Jeff Ching, experimentaram surfar em pé naquela "prancha de joelho", revolucionando novamente o esporte, mas desta vez pelo design funcional da prancha. A prancha de duas quilhas, idealizada nos anos 40 e 50, foi primorada nos anos 60 e se tornaram ainda o melhor nos anos 70, quando o tricampeão mundial, Mark Richards aprimorou o shape, transformando a prancha de duas quilhas em uma máquina de manobras agressivas, rasgando as ondas no limite da gravidade.






Modelo Minisimmons. Ano 2006.

Em 2006, quando tudo parecia ter sido inventado em termos de pranchas, surge o modelo Mini-Simmons, patenteado por Joe Bauguess. Rapidamente diversos shapers passaram a experimentar o novo modelo que unia a remada de um longboard com a manobrabilidade de uma pranchinha. A Mini Simmons costumam ser pequenas (aproximadamente 5 pés), possui um bico mais largo e redondo, pouca invergação (rocker), bastante flutuação e uma largura (rail) maior que o das pranchinhas convencionais.

De fato, o gene de uma boa ideia costuma ser forte, hoje este modelo já se consolidou em uma prancha de alta performance, mas também de um surf fácil e solto.



  

segunda-feira, 15 de junho de 2015

O localismo do surf e as antigas guerras havaianas

Outro dia, entrando no mar com minha prancha, quieto, voltando de uma onda ouço aquele papo entre um grupo de locais; "quem remar na mesma onda que eu vai sair talhado pela minha quilha". O recado era destinado para mim, que tive prioridade na ultima onda. Isto me levou a pensar sobre os limites do localismo... 




Nada justifica nos nossos dias qualquer atitude covarde de localismo no mar, onde um grupo tenta obter vantagens com ameaças e violência. Mas esta história é muito antiga no esporte.

Lendo livros sobre a cultura havaiana me deparo com imagens diferentes daquela que imaginamos de um paraíso do Pacifico. Isto porque o surf era uma atividade de lazer, mas ia muito além, dependendo da ocasião poderia ser um momento de exibicionismo entre amigos, ou flerte entre homens e mulheres, poderia ser uma brincadeira alegre e divertida, um jogo em que duas ou mais pessoas disputavam a mesma onda e o vencedor finalizava a onda sem ser engolido pelo quebra-coco. Em outros momentos no entanto, refletia a violência e agressividade das guerras que aconteciam no arquipélago. 

O sistema social havaiano era rígido, com regras, rituais, disputas e guerras. O interessante é perceber como o surf possuía uma relação íntima com a política, a religião e outros aspectos cotidianos da vida. Por exemplo, haviam diversas tribos espalhadas pelas ilhas, cada qual com seus chefes, considerados os parentes mais próximos dos deuses e donos legítimos do território, como senhores feudais. Neste contexto, os spots de onda podiam ser disputados como parte do território, e eram defendidos com todo afinco. Isto porque, grandes chefes dominavam outras ilhas e  guerreavam por novos domínios e estes aspectos eram reproduzidos no mar.

Quando um forasteiro chegava para surfar ondas alheias, mesmo havendo uma boa relação entre as tribos, devia usar de toda diplomacia e respeito. Caso não fossem seguidas as regras e rituais, e o forasteiro ou os locais agissem com violência ou falta de respeito, aquilo podia dar início a uma guerra sangrenta. 

Voltando hoje ao localismo, não vejo muita diferença do que acontecia, exceto pelo fato que não vivermos mais em tribos. Ou pensando bem, nem isso nos diferencia. 

A regra de respeito e diplomacia ainda permanecem e são essenciais. Dito e anotado isto, de resto, sinceramente, acredito que as ondas não tem dono, ou se tem, pertencem a vida marinha e não às pessoas.Fora isto, toda guerra, dentro do mar ou na areia é pura perda de tempo, ainda mais quando o swell apresenta condições tão boas como daquele dia... 

segunda-feira, 1 de junho de 2015

Quem foi Duke Kahanamoku?

Duke foi um surfista que germinou a semente do esporte e do estilo de vida havaiano mundo afora, adaptando um esporte primitivo a uma áurea moderna. 



 Nascido em Honolulu em 1890, colecionou conquistas ao longo dos seus 78 anos de vida, transformando-se em referência no universo dos esportes aquáticos. Este puro sangue havaiano fez parte da geração que reinventou o surf ancestral, com a honrosa missão disseminar o esporte pelo mundo. Duke estava entre os membros do Outrigger Canoe and Surfboard Club, a primeira agremiação de surfistas, quando ainda cursava a escola. No entanto, ele e outros amigos consideravam este clube restrito e dominada pelos haoles estrangeiros. Em 1911, inaugurou o Hui Nalu, ou Clube das Ondas, para incentivar o surf entre nativos. Começava uma carreira como atleta e uma missão pessoal de divulgar o surf pelo mundo. Podemos dizer que foi muito bem sucedido.




Em 1912, Duke era um surfista e nadador conhecido localmente. O Havaí acabava de se tornar território norte-americano e o esporte era a ponte entre culturas tão distantes de um mesmo país. Naquele ano, o jovem nativo foi selecionado pela primeira vez para as Olimpíadas em Estocolmo, ganhando uma medalha de ouro e outra de prata. Podemos dizer que este foi o primeiro contato do grande público com o surf. Os jornais da época contavam a curiosa história sobre o havaiano que havia ganhado medalhas olímpicas para os EUA, e seus métodos exótico de treino, domando as violentas ondas do arquipélago polinésio. Ao longo de mais de duas décadas ganhou medalhas olímpicas e bateu tantos recordes que seria muito extenso a descrição de todos eles. 

No mesmo ano que ganhou a primeira Olimpíada começou a missão de cultivar a semente do surfe. Duke dedicou-se décadas ao surfe e aos esportes tradicionais havaianos, transformando aspectos da sua cultura, parte da civilização ocidental moderna.

Na década de 1920, quando se aposentava das competições, começa a atuar em filmes de Hollywood entre 1925 e 1967, atuando como personagens nativos ou como lenda viva do surf. Muito além das tradições, Duke também era adepto das inovações, e durante a década de 1930 passou a colaborar com Tom Blake, desenvolvendo shapes e as aprimorando as pranchas de surf e paddle boards, além de auxiliar na restauração de pranchas ancestrais.

Entre 1934 e 1960 foi eleito sheriff do condado de Honolulu, uma espécie de juiz local. Na década de 1940 lança uma das primeiras marcas de roupas de surf, com as típicas estampas havaianas.

Em 1965 foi criado o Duke Kahanamoku Invitational Surfing Championship, seleto campeonato realizado na lendária praia de em Sunset Beach no North Shore.

Enfim, não foi por um acaso que Duke Kahanamoku ganhou o título de pai do surf moderno, sendo o primeiro nativo que conseguiu se inserir no contexto do mundo contemporâneo, demonstrando com sucesso o valor da cultura ancestral polinésia. Morreu em 1968, consagrando-se como um dos grandes heróis havaianos e maior a referência do esporte no mundo moderno.

quinta-feira, 28 de maio de 2015

As regras do Kapu e o surf no Havaí antigo.

(texto também publicado em Surfguru)
Katsushika Hokusai
No Havaí antigo, antes de qualquer ocidental pisar em solos polinésios, o kapu era um sistema de leis que fazia mediação com o mundo sagrado, regulando o cotidiano das pessoas. O cristianismo e outras religiões apropriaram-se deste termo polinésio, adaptando para o que conhecemos como tabu. Por exemplo, pessoas comuns não podiam pisar na sombra de um chefe e as mulheres eram proibidas de comer alguns tipos de alimentos. Não raramente, a regra desobedecida era aplacada com um sacrifício humano. 

O ritual para se construir desde uma prancha de surf a uma grande canoa de longas travessias seguia as regras rigorosas co kapu. Tudo começava com reverencias a Deusa Kāne durante a construção da embarcação, podendo enterrar um peixe ao pé das arvores que serviriam de matéria prima e entoando cânticos em cada etapa da construção. Em seguida, podiam ser feitos sacrifícios para Kū, o único que exigia sacrifícios de animais ou humanos. Já a partida de uma canoa para uma longa viagem, pedia-se a benção para Kanaloa com rituais próprios

O Deus que representava o surf era Lono, marcando o período de inverno e a estação das chuvas. O Lono era simbolo da fertilidade, também era o pai da agricultura, da música e da paz, o responsável pela abonança. Logo o período das chuvas era o fim do trabalho nos campos, meses de poucas atividades e muito ócio, temporada de ondas e do Festival Makahiki com muita dança e musica. Outro aspecto relacionado ao Makahiki eram as festas e orgias que podiam acontecer na temporada da fertilidade.


Ainda hoje o surf possui o signo da sensualidade, pouco se sabe que este é um aspecto das origens do esporte.


terça-feira, 19 de maio de 2015

Despertar do surf: Hume Ford e a união dos povos do Pacífico


A mais de 100 anos, aos olhos do mundo ocidental o surf era uma atividade exótica de povos primitivos dos cafundós do mundo. Hoje o esporte faz parte da cultura moderna por um esforço de grandes entusiastas. Os grandes protagonistas desta historia são povos tradicionais das águas do Pacífico, mas os personagens da transição do surf ancestral para os nossos dias, também devem ser reverenciados por manterem esta cultura viva.

Mar Brava, by Jose Higuera


Hume Ford era um norte americano conhecido por suas crônicas em jornais de Nova York. Essencialmente um aventureiro, viajou aos confins Ásia, acompanhou a construção da famosa ferrovia transiberiana, que atravessa a Rússia e em 1907, a caminho de novas aventuras na Oceania, aportou no arquipélago havaiano. Logo se deparou com a cultura polinésia e suas peculiaridades, um tesouro escondido para qualquer escritor. 

A primeira vista, o surf era dos aspectos mais fantásticos daquele mundo perdido, nunca visto antes em outro lugar, conectava-se a um estilo de vida e histórias antigas.

Em suas primeiras tentativas de surfar sozinho se frustrou, com grande dificuldade de manipular a enorme prancha de madeira maciça nas ondas de Waikiki, e logo um nativo apareceu para ajudar. Era George Freeth, um beach boy que deu dicas muito uteis para deslizar uma onda. Neste dia, o surfista local e o ilustre viajante norte americano começaram uma amizade. Neste contexto, uma comissão especial do congresso dos EUA visitava o arquipélago para avaliar se o Havaí estava pronto para se tornar um Estado e Hume Ford usou sua influência para colocar seu amigo Freeth como guia da expedição. Aproveitando a boa repercussão junto aos representantes do governo, articulou uma visita do surfista para fazer demonstrações daquele esporte na Califórnia, fato que revolucionou tanto as técnicas de salva-vidas nos EUA, como transformou aquele Estado em grande representante do esporte.

Fundação do primeiro clube de surf e de canoa outrigger _ Após uma breve estadia na Austrália e outros portos do Pacífico, Hume Ford se deu conta de que aquele era o último resquício de um esporte sagrado e outros conhecimentos riquíssimos, comum aos povos polinésios. Daí por diante, focou muito do seu trabalho na valorização do surf, da canoa vaka moana e toda aquela cultura tradicional. Voltando ao arquipélago em 1908, articulou junto a locais influentes, donos de hotéis, além da Rainha Emma, que cedeu uma área para construção do Outrigger Canoe and Surfboard Club, o primeiro clube para preservar e incentivar o surf e a tradicional canoa. Além de agitar a cena do surf havaiano, muitos norte americanos tiveram seu primeiro contato com o esporte pelas matérias que Ford escrevia para revistas.


Um laboratório de convivência inter-racial - A missão de Hume Ford teve ainda outro incentivo, quando conheceu o famoso escritor Jack London, que passava pelo Havaí a caminho da Oceania. London já era um escritor consagrado nos EUA e possuía e possuía ideias comunistas muito particulares, moldadas por intensas experiências junto ao mar. Os dois escritores tiveram longas conversas e viam o Havaí como um exemplo de lugar onde diversas raças e etnias conviviam harmonicamente. Para ambos, aquilo parecia uma espécie de comunismo espontâneo. Incentivado pelo ilustre colega e por outros entusiastas, Ford passou a encarar sua aventura como uma missão.

O primeiro esforço de unir os povos do Pacífico -  Daí por diante, Hume Ford passou a usar suas influências e esforços unir as ilhas do Pacífico em uma convenção que ele batizou de Pan-Pacific Union, com sede em Honolulu. Entre 1915 e 1937 a convenção buscou promover a paz e a valorização da cultura polinésia entre as ilhas do Pacífico.  

Em 1945 Hume Ford morreu aos 77 anos na ilha de O'ahu, sempre lutando para preservar um pouco a cultura e o estilo de vida tipicamente polinésio. Sabe como é, amor a primeira vista...


segunda-feira, 11 de maio de 2015

Prelúdios do surf contemporâneo


Prelúdio é aquilo que antecipa os fatos, os avós dos nossos tempos. A forma como eu surfo, o que eu visto ou vejo o mundo é o resultado de experiências remotas. O novo só acontece hoje porque um louco gritou aquelas idéias um dia, em alguma praça, a muito tempo...




No ano de 1891 morria o Rei Kalākaua, o ultimo Grande Chefe havaiano, quem fez a transição aos tempos modernos, um rei respeitado por suas habilidades no mar e na política. Era alvorada no arquipélago polinésio, e a paisagem começava a mudar, as tradições havaianas eram esquecidas no esforço de entrar naquele mundo novo.


Imagine as transformações do início do século XX, tempos de grandes tecnologias, da indústria, das máquinas, do petróleo e do crescimento populacional, das guerras mundiais; enfim, os tempos modernos. Neste contexto, o Havaí se tornava parte do território dos Estados Unidos da América (EUA), com uma posição estratégica, geopolítica e economicamente, transformando-se em um dos principais entrepostos do Pacífico. Por ali paravam aventureiros, mercadores e quem sabe até aqueles caçadores da mítica  baleia Moby Dick. 

Chegava o ano de 1900 e nas redondezas de praias como Waikiki, uma nova geração atraía a atenção dos visitantes, o surf e o gingado nativo renasciam como resistem as raízes depois de uma queimada. A cultura pagã havaiana passava a ser reconhecida por sua beleza exótica. 

Os surfistas que precederam todos nós eram uma mistura dos atletas ocidentais com forte influência dos costumes havaianos, um tipo que a mídia da época gostava de mostrar, jovens simpáticos e aventureiros com pele a bronzeada. Esta geração criada sobre os modos ocidentais, eram nativos havaianos, mestiços hapahaole ou haoles estrangeiros que viviam entre os locais, divertindo e se confraternizando junto ao mar. O surf havia quase desaparecido durante a última década do século XIX, mas aquela geração voltava seus interesses a certos aspectos de uma cultura a beira-mar, ficando conhecidos como os beach boys


O esporte dos extintos reis havaianos exercia uma enorme atração turistica, mesmo sendo uma décima parte do que fora o esporte nos tempos áureos ancestrais.


O mais famoso dessa geração de beach boys foi George Freenth; primeiro grande representante do estilo de vida havaiano, que se tornou referência na Califórnia e indiretamente para o resto do mundo. George Douglas Freeth era um dos garotos gente boa,  que circulava por Waikiki no começo do Século XX. Nascido em na ilha havaiana de Oahu em 1883, era considerado um hapahaole, com mãe havaiana e pai inglês, Freeth era um jovem bem educado e com espírito destemido. Participava dos clubes de natação locais e se destacava também como mergulhador. Em 1900 começou a surfar e praticar remadas nas canoas vaka moana, naquele que foi o renascimento das tradições náuticas havaianas. Este era o espírito havaiano, apaixonado não apenas pelo surf e pelo esporte, mas pelo oceano e a vida beira-mar.


A vida daquele menino local mudaria definitivamente ao ser convidado para fazer demonstrações de surf pela costa da California, outra região norte-americana com potencial turístico semelhantes ao Havaí.  A chegada de Freeth na Califórnia em julho de 1907, mudou definitivamente a história da região, surfando nas praias de Redondo e Venice. Tornou-se celebridade local, mas nunca juntou dinheiro. Talvez este não fosse o ideal de um nativo polinésio, que usava sua energia para treinar e comandar um corpo de salva-vidas nas antigas habilidades havaianas: a nadar entre as ondas, usar as correntes da costa a seu favor, usar pranchas de surf e outras técnicas. Na época, o salvamento era um grande risco até para o salva vidas, dando grande prestígio a Freth por toda comunidade local. 


Pouco se conhece da história deste personagem do surf, mas este foi um importante preludio do esporte que conhecemos hoje. Em julho de 1910 Freeth ganhou a medalha de honra do congresso nacional norte-americano, o maior reconhecimento que um civil pode receber do governo, pelo salvamento da tripulação de um navio japonês em um dia com enormes ondas. Ainda hoje, o surf carrega lá no fundo de sua essência uma imagem relacionada ao estilo beach boy.

O surfistas que plantou a primeira semente do surf moderno morreu com um grande mérito entre salva-vidas de todo o mundo, mesmo que os primeiros impactos tenham sido locais, Freth encontrou raízes para que a cultura polinésia pudesse germinar em solos continentais.

Freth provavelmente nunca soube dos frutos de suas ações.

domingo, 22 de fevereiro de 2015

Origens do surf: a Vaka Moana e o Outrigger Surf



Réplica de uma canoa Vaka feita com a madeira Koa

 O Havaí foi descoberto por polinésios vindos das Ilhas Marquesas por volta de 300 DC, mas hoveram, outras ondas migratórias que ocorreram por volta do ano 1000 DC, possivelmente de Bora Bora e das Ilhas Sociedade, onde hoje é a Polinésia Francesa. 
 
Um signo desta cultura ancestral é a Vaka Moana, uma canoa de dois cascos encontrada desde a Nova Guiné, à Ilha de Páscoa. As embarcações polinésias eram extremamente simples se comparadas ao Ocidente, mas muito eficiente. Estes povos não possuíam escrita ou metalurgia, e provavelmente as tecnicas de construção das canoas faziam parte das tradições, passadas oralmente, com auxílio de musicas e rituais.

O curioso é que, mesmo sem escrita, nativos da Nova Zelândia à Polinésia Francesa, da Ilha de Páscoa ao Havaí, separados por centenas de anos e milhares de quilômetros, conseguiram conservar aspectos linguísticos e culturais intactos. Eram grandes observadores e conhecedores da natureza. Hoje reconhecemos a sabedoria destes povos em diversas áreas, como astronomia, fenômenos meteorológicos, vida marinha, agricultura, hidrodinâmica, construção de embarcações, entre muitos outros. 

Um dos pontos mais notáveis daqueles povos do Pacífico é a navegação. O sistema polinésio era baseado em observações das estrelas, das correntes, ventos, aves marinhas e uma série de outros aspectos que permitia fazerem longas viagens com grande precisão.

E o que tudo isto tem a ver com o surf? 
Segue a explicação: https://www.youtube.com/watch?v=zsymftP-4Fg

sexta-feira, 9 de janeiro de 2015

Quando o surf ancestral morreu.

Façamos uma regressão:
Voltamos o tempo de Kely Slater, Gabriel Medina, das pranchas de alta performance e salva vidas acelerando jet skis.

Vamos além dos pranchões dos anos 50, das primeiras quilhas, da invenção da TV e do rádio. 

Enfim, chegamos em 1819, data que o surf ancestral morreu.

M. C. Escher

Ainda no final do século XVIII, era possível ver no Havaí uma vila inteira dentro da água surfando; mulheres, homens, idosos e crianças. Aquilo aos olhos destreinados e civilizados podia parecer um bando de desocupados, mas era parte de um sistema complexo e muito rico que envolve religião, política, economia e estilo de vida. Não que o surf fosse uma religião, mas o sistema de crenças nativo pregava estes prazeres cotidianos como reverência aos deuses.

Um antigo festival de dança, musica e surf

Um desses momentos era durante o festival de Makahiki, perído que marca o inverno havaiano, assim como a temporada de ondas no arquipélago. As festividades eram em homenagem a Lono, o deus da paz e da fertilidade, envolvendo muita dança e musica, jogos, competições de surf, natação, canoa entre outros. As festividades neste período eram frequentes, as festas podiam durar a até o amanhecer, dançando, cantando e se divertindo.

O Kabu era um sistema de regras seguido a risca, como uma doutrina religiosa. Apesar de envolver restrições e rituais, para nosso espanto, as proibições não restrungiam o nudismo, o sexo, os jogos e o ócio. Como não possuíam escrita, todo o conhecimento era passado em canções, logo a música e dança eram peça fundamental para manter vivo os valores e conhecimentos ancestrais. Muito do que as igrejas ocidentais vêem como pecado, o sistema mistico polinésio via como reverência aos deuses.

Alguns historiadores e pesquisadores chegam a sugerir que a vida no arquipélago era o mais próximo que existiu das muitas lendas sobre o paraíso terrestre. O sistema de agricultura farto, a água doce abundante, a intimidade com a vida marinha, davam a estes povos tempo para se dedicar as atividades culturais e desportivas. E eles e dedicavam as suas paixões, como o surf, a canoagem e a natação, segundo o relato dos primeiros europeus, eram quase anfíbios. 

Paraíso em guerra

 Mas nem tudo era amor e sombra fresca, haviam conflitos entre territórios e clãs. Quando chegaram os europeus, passou a ser frequente a  presença de comerciantes, caçadores de baleias e aventureiros, complicando a vida simples. A civilização traria armas de fogo para a guerra, machados e instrumentos para o cotidiano, jogos de azar, comércio e outras ambições civilizadas. Mas o pior foram as doenças, que aos poucos devastaram os nativos a uma fração do que eram.

Antes dos fim dos tempos, houve um ápice daquela cultura, quando o chefe Kamehameha conseguiu unificar o arquipélago depois de uma longa guerra. Finalmente, terminara os tempos de Ku, o deus da guerra e se iniciava o tempo de paz, signo do Deus Lono. 

A  chegada da civilização trouxe dois presságios: um bom, outro devastador. O primeiro anunciava tempos de paz conquistada pelo chefe Kamehameha, quando o Capitão James Cook atracou nas ilhas havaianas pela primeira vez. Era o início do festival Makahiki, e o Capitão inglês foi confundido com a encarnação do Deus Lono. Em seguida veio o mal agouro, quando a expedição de Cook saiu para novas explorações, mas precisou voltar para reparar seus navios. Era final do festival e aquilo foi visto com muita desconfiança pelos nativos. Nem a morte de Cook foi capaz de livrá-los dos presságios.

A morte de um grande chefe

Em 1819 o Rei Kamehameha morreu, e com ele o surf antigo definhou. O grande Chefe foi substituído por sua esposa e filho, que abandonaram imediatamente o festival e as regras do Kabu. O segundo presságio se confirmou depois de um ano, quando desembarcaram missionários Protestantes. 

Os primeiros calvinistas que chegaram encontraram uma situação propícia para dogmatizar os nativos. A instabilidade política, as doenças e a influência nociva da civilização tornavam os bons tempos em uma fase muito difícil. Logo, a missão dos religiosos era organizar aquela bagunça e trazer progresso para as ilhas. A primeira atitude foi transformar as proibições do Kabu naquilo que se convencionou chamar de tabu. Os tabus da igreja, apesar de usarem um conceito paralelo a cultura nativa, pregava o oposto, proibindo a nudez, o esporte, o jogo, o sexo fora do casamento, o ócio, defendendo uma vida casta e muito trabalho. 

Os missionários também viam nas festas, na música, na dança e no surf um elemento nocivo. Acelerando a morte das principais tradições ancestrais. 

Naufrágio de uma cultura

O surf morria com o Kabu, tornando-se um tabu. Em 1844 um historiador que passava pelas ilhas afirmou que o esporte nativo, que antes levava dezenas de pessoas para dentro da água por horas, passou a ser uma visão muito rara. Por muito pouco a arrogância civilizada não percebe a riquesa cultural e os conhecimentos da cultura havaiana e polinésia, pensando ser detentora de todo saber. Os polinésios conseguiram conquistar um território de águas maior que qualquer continente.

As tradições ancestrais que o surf faz parte ficaram esquecidas inícios do século XX, quando lentamente, o surf renasceu para o mundo civilizado, chegando ao momento em que vivemos. Mas isto são outras histórias... 

Fonte: The 1800’s: Surfing’s Darkest Days.

terça-feira, 9 de dezembro de 2014

Moby Dick e o insondável fantasma da vida...


Trechos do livro Moby Dick que falam da atração pelo mar. Sem mais palavras...



(...) Sem saber, quase todos os homens nutrem, cada um a seu modo, uma vez ou outra, praticamente o mesmo sentimento que tenho pelo oceano (...) Perambule pela cidade numa tarde eterea de sabado. O que vê? Plantados como sentinelas silenciosas por toda a cidade, milhares e milhares de pobres mortais perdido em fantasias oceânicas. 

(...) Alguns encostados em pilares; outros sentados do lado do cais; ou olhando sobre a amurada de navios chineses; ou, ainda mais elevados, no cordame, como que tentados conseguir dar uma olhada melhor no mar. Mas estes são homens de terra; que nos dias da semana estão enclausurados em ripas e estuques - cravados em balcões, pregados em assentos, fincados em escrivaninhas. O que é isso então? O que fazem ali?

(...) Digamos, você está no campo, numa região montanhosa de lagos. Praticamente qualquer trilha que você escolha, nove em cada dez o levarão a um vale, perto do poço de um rio. Existe uma mágica nisso. Se o mais distraído dos homens estiver mergulhado em sonhos mais profundos - coloque esse homem de pé, ponha-o para andar, e não tenha dúvida de que ele o levaraá até a água, se houver água em toda a região (...) Pois, como todos sabem, a meditação e a água estão casados para todo o sempre... 

(...) Tudo isso certamente tem um significado. E ainda mais profundo é o significado da história de Narciso, que, por não conseguir chegar à imagem provocativa e difusa que viu na fonte, nela mergulhou e se afogou. Mas nós vemos essa mesma imagem em todos os rios e oceanos do mundo. 

É a imagem do insondável fantasma da vida; e esta é a chave de tudo.

segunda-feira, 1 de dezembro de 2014

A visão do paraíso

Heather Brown



Uma coisa curiosa que nenhum surfista ou fanático por lindas praias se dá conta é este é o nosso imaginário do paraíso. 

Enquanto o filho, Chico Buarque, cantava que não existe pecado do lado de baixo do equador, o pai, Sergio Buarque de Holanda escrevia toda uma teoria sobre os grandes navegadores sua busca pelo paraíso terrestre. Visões do Paraíso é um livro sobre a história dos desbravadores e o imaginário daqueles tempos, em que talvez o paraíso de Adão e Eva descrito em Gênesis, não fosse extraterreno, mas perdido no infinito de mar. 

Pensando bem, o que significa encontrar lugares intocados pela civilização, com nativos seminus, água, frutas e alimentos em abundância, praias com coqueiros, sexo livre, sem culpa ou pecado, a noite um céu estrelado e muita musica. Ate certo ponto, foi assim, descendo a costa americana pelo Atlântico ou explorando arquipélagos Polinésios no Pacífico.

Talvez o auge tenha sido pelas ilhas do Taiti como vimos nas pinturas Paul Gauguin ou nos relatos de além mar do Havaí, feitos pela tripulação do capitão James Cook, ao longo dos séculos XVIII e XIX. Depois disso passamos a venerar, quase inconsciente aquela vidinha tribal...    

PS. De certa forma, aqueles exploradores deixaram uma lição, de que o paraíso não se conquista: entrega-se.

Paul Gauguin: Two Tahitian Women