quinta-feira, 29 de agosto de 2013

DESIGN & CULTURA BEIRA-MAR: Minisimmons, o elo entre antigos polinésios e a vanguarda do século XX.

Texto Madeira & Água publicado em: Almasurf 
 
Prancha Minisimmons em ação. Foto do site Hidrodinâmica

As Minisimmons são a releitura de um modelo histórico desenvolvido nos anos 50 por Bob Simmons, um dos mais inovadores shapers da história do surf. O novo modelo veio à tona em 2006, em um resgate do trabalho deste surfista, digno de ser colocado no hall da fama dos designers do século XX.
Estas pranchas costumam ser bem pequenas (5’3 pés em média) e proporcionalmente mais largas que o convencional (boa flutuação), com o bico redondo (permitindo posicionar-se mais à frente), duas quilhas largas (maior área = estabilidade) e com menos profundidade (maior velocidade). Estas características fazem da minisimmons uma prancha divertidíssima, muito rápida e manobrável, proporcionando um tipo de surf bem solto, aproveitando toda a superfície da onda.


O vídeo Hydrodynamic Planing Hulls mostra um pouco desta prancha, inspirada em um modelo emblemático dos anos 50, uma releitura muito bem sucedida.


Hydrodynamic Planing Hulls from Hydrodynamica on Vimeo.

As Minisimmons unem os conhecimentos mais avançados de hidrodinâmica consolidados até meados do século XX aos conceitos clássicos das pranchas de paipo e alaia, desenvolvidas pelos povos polinésios ao longo de centenas de anos. Isto porque Bob Simmons começou a surfar na década de 1940 com pranchas feitas de madeira maciça e pequenos estabilizadores (o ancestral das quilhas), mas em um período de muitas descobertas tecnológicas, maior parte delas impulsionadas pela Segunda Guerra Mundial.

Prancha Simmons em ação, 1953. Foto: W.Hoffman.


Simmons é descrito como um obsessivo pesquisador e um grande inovador do esporte, estudando assuntos como ondulações, swells, hidrodinâmica, novos materiais e técnicas, assim como outros assuntos relacionados ao surf. Nos anos 50, deparou-se com o manual recém-publicado por um engenheiro naval contendo os resultados de estudos feitos para a marinha norte-americana (“The Naval Architecture of Planing Hulls”, 1946). Neste trabalho, havia muitos testes sobre a hidrodinâmica do casco de barcos, com informações riquíssimas para um surfista e shaper dedicado como Simmons.
Primeiramente, Bob misturou materiais mais leves, como madeira balsa, compensado naval e espuma de polímero (foam), construindo uma prancha híbrida, meio termo entre as antigas pranchas de madeira e as contemporâneas de poliuretano. Devido a maior flutuação do isopor e da balsa, ele pode fazer uma prancha menor que a média da época (ainda sim com 9 pés), chegando ao peso de pouco mais de 4 quilos, quase nada se comparado as pranchas de madeira, que raramente pesavam menos de 15 quilos. Para selar o frágil material da água salgada, deu um banho de resina. Tudo mudou a partir destas inovações.



Releitura do modelo original, minisimmons de madeira.  

Replica do modelo original de Bob Simmons.
Crédito Hidrodinâmica

Quanto ao design, Simmons aprimorou as quilhas, dando formatos mais arredondados e com profundidade moderada, permitindo maior controle e ainda obter velocidade. Livremente inspirado no manual de hidrodinâmica, fez um teste muito bem sucedido com duas quilhas, e conseguiu maior dirigibilidade. O shape (templete) ainda respeitava o modelo das pranchas havaianas, mas com linhas e bordas melhoradas.
Enfim, Simmons revolucionou as pranchas e o surf, inaugurando um período em que surfistas começaram a explorar ondas maiores que os 8 pés. Ele mesmo morreu surfando um swell dos grandes na Califórnia. Infelizmente, Bob inventou muita coisa, mas não a cordinha (lash) que o prendesse a prancha, morrendo afogado nas ondas de Windasea em 1954.

Em seguida, outro vídeo da Hydrodynamic Planing Hulls mostra uma sessão de surf, desta vez em um modelo de prancha fiel ao shape de Simmons da década de 1950.






Percebam que a prancha original dos anos 50 possibilitava fazer curvas com certo controle, mas dava pouca estabilidade (drive), o que favoreceu posteriormente as grandes quilhas que viriam se tornar populares nos pranchões da década de 60. Este problema foi certamente resolvido nas Minisimmons, graças aos avanços no design das pranchas do século XXI.
Para mais informações sobre estas pranchas acesse:
http://www.minisimmonssurfboards.com/ e http://surfboardsbyhydrodynamica.com 


quinta-feira, 22 de agosto de 2013

DESIGN E CULTURA BEIRA-MAR: hollowboards, a embarcação que virou surfboard

As Hollowboards são pranchas de surf ocas, feitas em madeira com a mesma técnica de construção de cascos de barcos ou da asa de aviões. Pode parecer estranho, mas há quase 90 anos era a mais alta tecnologia em pranchas de surf. Como tudo o que é verdadeiramente bom, esta pranchas voltaram com novos desenhos e técnicas, contrapondo-se a evolução tecnológica das pranchas de surf atuais. Estas pranchas são mais pesadas e valorizam o surf de linhas clássicas, além do trabalho artesanal do shaper-marceneiro e a beleza natural da madeira.
Foto: Henrique Menezes. Pranchas Siebert Woodcraft Surfboards.

O surf com pranchas de madeira como as hollows é uma experiência diferente, mas muito boa. As pranchas de madeira não costumam ter a alta performance que encontramos em pranchas “de petróleo” (poliuretano ou derivados), mas são embarcações com muita dirigibilidade que dão uma sensação diferente, a madeira deslizando na água é igual faca na manteiga. O interessante é que cada madeira tem uma densidade e um comportamento, fazendo dessas pranchas uma peça exclusiva que, com os devidos cuidados duram muito tempo. Como dizem os especialistas no assunto, a madeira é algo vivo e com manutenção correta pode durar séculos!


O vídeo da  Burnett Wood Surfboards mostra uma sessão de surf com dois modelos distintos das modernas hollows, deslizando nas ondas com faca na manteiga derretida.

 Os norte-americanos foram responsáveis por salvar o surf do esquecimento, no início do século XX, depois de uma rigorosa colonização dos ingleses e a catequização dos nativos havaianos, o esporte caiu em desuso no arquipélago. No entanto, também descaracterizaram algumas coisas próprias do surf havaiano, transformando uma atividade de lazer e contemplação em algo competitivo e de alta performance. Nos anos 30, o surf ainda era um esporte excêntrico,  mas ficava popular com a organização de clubes, campeonatos de remada a longa distancia, corridas e demonstrações publicas do surf nas ondas de Waikiki, Malibu e outras praias da Austrália e Europa.  As pranchas ainda eram as ancestrais Alaias, feitas de madeira maciça, chegando a pesar mais de 80kg dependendo do tamanho e da madeira.



Nos anos 30, um jovem salva-vidas californiano e atleta olímpico de natação, Tom Blake se interessou pelo esporte e passou a praticas o surf. Logo percebeu que a prancha de madeira maciça era muito pesada, mas principalmente, não tinha flutuação suficiente, tornando-a ainda mais pesada na água. Inspirado na estrutura da asa de um avião e técnicas simples de construção naval, criou um ou craftwooden surfboards, isto é, uma espécie de casco de barco  de surfar. Mudou-se para o Havaí e se tornou uma das maiores personalidade do surf no século XX. Blake continuou seus experimentos, aperfeiçoando as pranchas, sendo considerado um dos pioneiros no uso de quilhas em suas hollow boards.

 Na década de 1940 estas pranchas eram muito utilizadas, sendo adotadas como equipamento oficial do corpo de salva-vidas da Austrália. Mas o avanço tecnológico do século XX foi implacável, e as novas pranchas feitas com derivados de petróleo fizeram com que as hollows entrassem em extinção. Nos anos de 1990, enquanto o surf evoluía incessantemente observou-se uma retomada do interesse por modelos antigos e formas alternativas de surfar, surgindo espontaneamente uma comunidade de shapers-marceneiros pulverizados pelo mundo.



Hoje o surf em pranchas de madeira ainda é raro, assim como encontra-las à venda. O custo também é maior, pois levam muito mais tempo para serem feitas, envolvendo riscos no projeto. Existem fabricantes destas pranchas no Brasil, como o pessoal da Siebert Woodcraft, em Santa Catarina e A Flora em São Paulo. No entanto, outra experiência interessante para os mais bem equipados é construir uma prancha por conta própria, havendo centenas de vídeos tutoriais na internet. 
Um blog muito conhecido onde esta comunidade de shapers-marceneiros postam seus projetos e fotos das pranchas em ação é o  blog:
http://woodensurfboards.blogspot.com.br/

Outros endereços interessantes:

David Weber Surfboards
http://davidweber.com.br
A Flora
Siebert Woodcraft
Paul Jensen
Videos Tutoriais
http://www.youtube.com/watch?v=i-deo9CyrM0


quinta-feira, 15 de agosto de 2013

DESIGN E CULTURA BEIRA-MAR: do pranchão ao longboard

Texto Madeira & Água publicado em: Waves, Surfguru, Almasurf

DESIGN E CULTURA BEIRA-MARO longboard é uma releitura dos pranchões dos anos 50 e 60, que voltaram mais de 30 anos depois trazendo muita nostalgia e curtição para o surf. O longboard devolveu ao surf pessoas que não se identificavam com as pranchinhas, assim como surfistas com mais de quarenta anos, algumas garotas de atitude e outras figuras à cena do surf.
Uma prancha grande (de 9 a 10 pés), com muita flutuação e uma quilha grande e larga. O pranchão da década de 1950 era quase uma embarcação para os padrões das pranchinhas de alta performance de hoje, mas conseguia encarar ondas pequenas ou muito maior que 2 metros. Os primeiros pranchões eram de madeira balsa e resina epóxi: um verdadeiro jipe do mar! Logo surgem materiais mais leves e de fácil manuseio, como o poliuretano e a resina de poliéster.
Photograph by © LeRoy Grannis.
A quilha central foi um artifício estratégico. Com bastante área de contato com a água, impõe velocidade e uma estabilidade incrível. Os pranchões possibilitaram caminhar até o bico da prancha e voltar, ou mesmo pegar uma onda de carona com alguém. Outras vantagens se somam como a remada mais eficiente e o fato de não precisar ser um grande atleta ou esperar por grandes ondas para tirar um lazer. Mas o principal, o surf no pranchão conta a curtição, o estilo e a beleza, muito mais do que as manobras que aproveitem toda a extensão da onda.
Uma boa amostra do estilo old school esta no filme de David Achaap, do campeonato anual de entusiastas do pranchão clássico, promovido pelo pessoal do Deus ex Machina.


Mesmo assim, nos anos 70, a enorme maioria dos surfistas eram adeptos das pranchinhas, tentando fazer manobras alucinadas, pegar ondas maiores e em condições perfeitas. Mas muitos surfistas iniciados nos velhos tempos, e outros amantes do esporte dos ancestrais polinésios, não se adaptaram aos novos shapes e ao estilo frenético do surf moderno.
Nos anos 80, surfistas e shapers da old school, como Bob McTravish, Nat Young, entre outras figuras dos anos 60 voltaram surfando longboards e promovendo campeonatos e muita diversão.
O movimento começou a ter mais e mais adeptos, shapers especializados e circuitos profissionais. Os pranchões passaram a se dividir entre clássicos e os novos longboards progressivos, com desenhos arrojados e muitas influências das pranchinhas de alto desempenho.  Os novos “longs” são menores (9’0), com espessura mínima, levando 3 ou 4 quilhas iguais, ou uma central e duas estabilizadoras laterais, buscando o máximo de leveza e liberdade para manobras.
Photograph by © LeRoy Grannis.
Pranchões, longboards e fanboards; a releitura dos clássicos devolveu a democracia ao surfe, como alternativa para outros estilos e públicos apaixonados por surfe. Salve a diversidade!

Modelos de longboards do site Global Surf Industries

quarta-feira, 7 de agosto de 2013

Arquétipos do Surf

Gravura de Katsushika Hokusai , 1831. Arquétipos do mar.


Já perguntou para uma pessoa porque ela gosta de surfe? A sensação de descer uma onda, o oceano, a adrenalina, o estilo de vida, a identidade visual, a resposta será um misto de tudo isto. E já perguntou por que alguém prefere beber coca cola ou tubaína? 



Muito do que a gente faz tem significados escondidos, imagens e ideias que não temos consciência. Mas o surfe é diferente do refrigerante, que você aprendeu a gostar por uma experiência do passado ou por causa de propagandas muito bem elaboradas. O surf tem arquétipos do mar próprios dos povos polinésios. Isto é, idéias muitíssimo introjetadas na mente humana, como o enfrentamento da natureza e a busca pelo paraíso intocado.


Arquétipos do mar são muito mais antigos, mas o surfe começou provavelmente a varias centenas de anos, quando o povo polinésio começou a ocupar uma constelação de ilhas soltas em uma área imensa do Oceano Pacífico. Mestres na arte de navegar longas distâncias em simples canoas, geração a geração, buscavam novos lugares para viver quando começava a ficar muito cheio, faltando comida ou espaço. Partiam para o desconhecido, confiantes nos conhecimentos da natureza e de navegação. 

Uma destas linhagens de navegantes polinésios desembarcada nas ilhas havaianas, vivendo o verdadeiro estereótipo de paraíso que temos em mente, brincavam de pegar carona nas ondas perfeitas ao longo da costa. Mais do que divertido, o surfe significava ao mesmo tempo o respeito pelo oceano e a coragem de doma-lo. O sacrifício de enfrentar o mar bravo no peito aberto e o prazer de deslizar na onda, o surfe representa a saga daqueles povos, uma síntese de uma vida ancestral, a busca incessante do Edem. 


E quem diria, um esporte tão sofisticado é representação algo tão antigo do ser humano.